quarta-feira, 25 de abril de 2007

Por trás das câmeras

“Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância”
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir



Espiar, ver, olhar, espreitar, vasculhar, vigiar, [re]conhecer são termos que expressam a natural curiosidade humana. A vontade de burlar o privado, superar os muros, abrir as portas, escancarar as janelas nos acompanha. Faz parte há muito de nosso imaginário saber como é a vida do vizinho, afinal, viver, por exemplo, em apartamento nos delimita certas intimidades: prédios próximos, janelas frente a frente, paredes que separam as residências, portas de entrada que se encontram, elevador e corredores comuns. O voyerismo é natural do ser humano.

Concorrendo para essa vontade de olhar, temos a possibilidade de ver oferecida pelas câmeras de segurança, internas ou não, olho-mágico, interfones que, usados para manter a segurança, servem também para anonimamente vigiar sem ser visto, invadindo o território alheio. A lente de vigilância inevitavelmente transcende a proteção/preservação do privado, monitora todo o espaço que seu olhar atinge e esse olho indiscreto pode inibir quem por ele passar, visto que o olhar perturbador da câmera pode alterar o comportamento de quem sabe que pode estar sendo visto, como propôs Foucault através da estrutura do Panóptico.

Não preciso lembrar que estamos em um mundo pós-moderno, próprio do fragmento, da difusão de tecnologias, da explosão de informações, da velocidade cada vez mais giga poderosa, da necessidade [quase obrigatória] de percorrer muitos campos quase que ao mesmo tempo. Eis o que encontramos à nossa volta. Nesse novo tempo, estamos sendo, gradativamente, estimulados e acostumados com a perda da intimidade e, de algum modo, da subjetividade também. Um exemplo marcante são os programas de reality show, como o Big Brother, que foi o tema abordado pelo grupo "A cabeça bem feita" no mini-seminário apresentado no dia 5 de Abril.



O termo Big Brother (Grande Irmão) é referência ao livro “1984”, de George Orwell. Mas o reality show "Big Brother" consiste em um monitoramento de pessoas confinadas numa casa 24 horas por dia, com posterior exposição pública de suas intimidades. Um programa composto em sua estrutura por um número X de participantes e que durante algum período disputam não apenas o prêmio final, mas também a simpatia do telespectador. Os programas permitem ao espectador analisar/avaliar a partir de várias câmeras o comportamento do participante no jogo. O grupo traçou um paralelo com a alegoria do panóptico, usada por Foucault (1926-1984) em seu livro Vigiar e Punir, de 1975. Essa alegoria explicita um modelo de prisão circular de celas individuais, dividas por paredes e com a parte frontal exposta à observação do vigia por uma torre do alto, no centro, de de maneira que o vigia poderia observar-lhes e eles não o saberem.Como a invasão é consciente tanto para quem vê quanto para quem é visto, os participantes acabam vestindo uma máscara, assumindo uma postura divergente da própria. São atores sociais: incorporam um estilo de vida e atuam durante o programa. Não há como pensar que os participantes agem naturalmente durante o confinamento. Eles têm consciência da não-privacidade a que se sujeitaram, pretendem ganhar o prêmio maior do programa. Para isso, precisam convencer de alguma forma quem os assiste, adquirir simpatia para que não sejam eliminados e possam continuar na competição. Mas um fator está a favor de todos os competidores: eles têm um público que gosta de assisti-los e eles de serem vistos.

"Infelizmente a audiência se prende muito a esses programas que exploram o que o ser humano tem de mais pobre. Explora o sentido e as sensações que aproximam muito o ser humano do ambiente natural, onde ele mais se nivela aos animais” - defende Laurindo Leal Filho (sociólogo e jornalista, publicou “A Melhor TV do Mundo, o modelo britânico de televisão” entre outros), em mais uma entrevista onde não faltam críticas à pobreza de conteúdo da televisão brasileira - que quase sempre nivela por baixo seus programas de democráticas sensações facilmente inteligíveis.



Do anonimato para a fama instantânea. Durante o período de duração do programa Fulano de Tal se torna tão conhecido, amado, idolatrado, odiado. Conhecemos seus dramas, medos, desejos, sua família, sua vida é vasculhada. Quem pertencia à multidão passa a uma seleta classe de pessoas cujas vidas são acompanhadas por milhões de telespectadores. Os 15 minutos de fama se expandem para algumas semanas. O jogador, se conseguir cativar público permanecerá ainda ascendente na mídia, mesmo depois do término do programa.
Esse olhar "Big Brother" ao qual o público está se habituand, demonstra ter sido captado pelo cinema, como prova o sucesso de películas do estilo de Invasão de Privacidade (1993), O show de Truman (1998) e Violação de privacidade (2004). O que estes filmes têm em comum é retratar a arte do voyeurismo, o prazer sentido em ver o que é privado, o que não é exposto a todos. Afinal, somos outros quando estamos sozinhos, nos despimos de formalidades, ficamos, em certa medida, mais à vontade.

O cidadão precisa de um espelho que diga o que é a sociedade, a vida, porque a identidade é reativa: constrói-se a partir da negação do diferente. A vontade de conhecer e observar o íntimo do outro é a vontade de conhecer a si mesmo. O Big Brother consegue suprir todas essas carências: é um mundinho, um simulacro, onde os seres sobrevivem à sua maneira; há as intrigas, o romancezinho, o amavelmente empático e amigo, o sujeito inescrupuloso (ele será didaticamente eliminado, “é feio”. E se ganha, entram em discussão em rodas filosóficas por todo o país, a perversão moral e cívica dos brasileiros...). Sim, nos ensinam o que é viver. Por mais que a idéia não seja agradável - e novamente retificamos o fator “além-bb7”. É o efeito espelho inverso: mostra-se a imagem, imediatamente o concreto se materializa do outro lado, esse real.

Finalmente, poderia apontar para os episódios de reality shows, a presença de câmeras de monitoramento dentro e fora de ambientes privados e públicos e o enfoque dado à vigilância através de expoentes da literatura e do cinema, como mostras de um imaginário em ascensão. Um imaginário que se consolidou de uma maneira impensável nos últimos cinqüenta anos, e que encontrou nas últimas décadas um público cada vez mais ávido por imagens e informações capazes de revelar o outro em sua intimidade. Quem sabe, a ênfase nesse imaginário revele algo além do que a simples curiosidade pela vida alheia. Talvez, seja o indício de uma vingança pessoal: a sociedade que tem sua própria privacidade cada vez mais exposta, exige como troca o olhar e a história do outro. Afinal, sorria: você está sendo filmado.

5 comentários:

rafael disse...

boa!

Aryanna Oliveira disse...

PERFEITO o post !!!
Disse tudo e talvez muito mais do que o próprio grupo tenha dito !
A referência ao livro foi de otima escolha mas na minha opinião alguns temas deveriam ter sido abordados , afinal falar sobre a curiosidade humana diante "do outro" traz um leque de assuntos vonculados .
O tema no geral era bom ... "pauta quente" tbem XD

Letícia Almeida disse...

O Evandro tinha que ter ido nesse dia viu... hahahaha ;)

Amanda Sampaio disse...

Muito interessante o post,
Um assunto como esse, que mexe tanto com a populução, é sempre bom mencionar.

**Arícia** disse...

oi gente!
vim aki xeretar e tenho que concordar... o comentário sobre o mini talvez tenha excedido o próprio mini! rs... parabéns aline...realmente o tema escolhido por elas foi bom, mas a abordagem deixou alguns ingredientes omissos!